Não sei vocês, mas eu amava ir a casa de meus avós. Nunca passei mais de uma semana sem vê-los. Aproveitei os sábios conselhos de minha avó, comi muitas das suas gostosuras, ouvi suas histórias e contei as minhas. Do meu avô, mais retraído, guardo lembranças de serenidade, retidão e zelo com a família. Me lembro do cheiro da casa. Do cheiro deles. Me lembro do toque macio de suas mãos. Me lembro da pele da carequinha do meu avô e do jeito de minha avó me chamar: ticia... assim, rapidinho, comendo o "Lê".
Me lembro do silêncio obrigatório na hora do Jornal Nacional e a rigidez dela ao dizer "escuta", assim que supunha que viria uma notícia importante. Me lembro de meu avô ouvindo o jogo do Cruzeiro em visível aflição em seu radinho velho, com as luzes apagadas e comemorando com um grito contido de "gol" toda vez que a bola entrava na rede. Me lembro de minha avó ouvindo "Nossa Senhora, me dê a mão..." como se fosse uma oração. Me lembro de meu avô comendo rapadura escondido de minha avó, que criticava a quantidade de doce que ele consumia (ela era fitness, embora esse termo não existisse). Me lembro de meu avô inventando mil combinações de suco que pudessem fazer bem para a saúde e dela brava por ele sempre deixar derramar o copo na mesa do almoço- não entendo como ele conseguia.
Me lembro de meu avô saindo escondido pela porta dos fundos, após inúmeras quedas na ruas-já beirando 90 anos- e de minha avó reclamando "Jão não tem jeito... Sassinhora...". Me lembro de minha avó, orgulhosa, encostando as mãos nos pés após a aula de ioga, me dizendo como era flexível. Me lembro de meu avô catando quinquilharias de sucatas que os vizinhos jogavam fora porque achava que era possível reaproveitar criando outra coisa Me lembro do barulho da máquina de costura de minha avó e das roupinhas de Barbie que fazia pra mim. Me lembro de comer a combinação de macarronada com farofa de banana achando que era a mais perfeita do mundo- e que todo mundo comia assim- e só descobrir depois que isso foi uma invenção fantástica dela. Me lembro de meu avô fechando a janela na hora das refeições, porque era perigoso bater vento nas costas enquanto comia. Me lembro dele me chamando de "filhinha". Me lembro dela me olhando cheia de amor enquanto eu falava e dizer que eu era "danada'.
Me lembro disso e muito mais. Eu ia lá no meio da tarde só pra tomar o café da vovó. Eu passava lá antes de ir pra faculdade só pra contar pra eles como eu estava feliz com o curso de jornalismo. Eu, volta e meia, os procurava porque sabia que não os teria para sempre e precisaria de muitas lembranças para suportar a saudade.
Não abandonem seus idosos. Eles irão em breve e como dói não tê-los aqui. Ensine seus filhos a amar os seus pais e terá sempre por perto a sua família, quando chegar a sua hora de envelhecer. É no exemplo dos pais que as crianças construirão o respeito que devem ter pelos mais velhos.
Eu tive a sorte de vivenciar vovó Jandira e vovô João, Sinto saudades, sim. Mas nenhum remorso, porque não deixei nada para trás. E eles foram cercados por carinho até o fim de seus dias. Do jeito que tem que ser. Do jeito que quero pra mim. Do jeito que meus pais também terão.
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