Precisamos falar sobre pedofilia! - EU CURTO SER MÃE

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Precisamos falar sobre pedofilia!

reprodução TV Globo
*reprodução TV Globo


É muito valioso quando a arte imita a vida e serve de sensibilização e fonte de informação a assuntos tão delicados, como a violência sexual infantil. A novela global  O outro lado do paraíso mostrou recentemente o caso de Laura (Bella Piero), abusada pelo padrasto Vinicius (Flávio Tolezani) aos oito anos de idade. Na trama, a menina não fala sobre o abuso; a mãe, apesar de ver machucados na filha, não desconfia do acontecido; e a empregada doméstica opta por guardar segredo por medo de perder o emprego e pelos possíveis desdobramentos do caso.

Essa é uma história muito comum, apesar de carregarmos no imaginário o abusador como um homem desconhecido que vem e sequestra a criança. Mas, a maioria dos crimes sexuais, são praticados por pessoas próximas a vítima, em grande parte por membros da própria família.  

De acordo com o Disque 100, uma a cada cinco crianças sofreram algum tipo de abuso sexual no país, e desses somente um a cada dez casos são relatados. Justamente pelo abusador ser um adulto próximo da vítima, e esse adulto envolver a criança num jogo de poder psicológico, é muito difícil pra criança elaborar o que ela está vivenciando, epressar toda a confusão que traz dentro de si e acreditar que será levada a sério dando um fim positivo a história.  

Receber o relato da vítima como fantasias infantis, confusão e até achar que a criança é ruim, promíscua e parte contribuinte da relação abusiva ainda é frequente.  É necessário compreender que aceitar um membro da família como um criminoso que é capaz de abusar de uma criança desestrutura toda a ‘instituição familiar: a história daquelas pessoas, os papéis que assumem e muitas vezes a condição econômica de uma casa. Esse é um crime que apesar de ter a criança como vítima principal, afeta de forma violenta toda uma organização. Afinal, normalmente o abusador é uma pessoa que ocupa um papel de autoridade moral, afetiva e financeira na família,  o que favorece o silêncio e a impunidade.

A ideia de que a criança contribui para que a situação de abuso aconteça, ou ainda, que não deve ser ouvida por fantasiar e mentir sobre o abuso deve ser combatida. É sempre responsabilidade do adulto o ato abusivo,  todos os seres humanos apresentam uma expressão sexual, a sexualidade é inerente a vida, cabe ao adulto colocar os limites físicos e orientar o desenvolvimento psicossexual da criança e não o contrário. Sabe-se também que raramente a criança mente. Segundo o guia de identificação e enfrentamento do Ministério Público, de 2015, apenas 6% dos casos são fictícios e quando ocorrem normalmente são com crianças maiores que já avaliam e objetivam vantagem.

O mais assertivo a se fazer diante do relato de uma criança é ouvi-la de forma acolhedora e deixar evidente que você acredita nela, que ela não é culpada por qualquer coisa que tenha acontecido. Em seguida, procurar a ajuda de um profissional capacitado (psicólogo, médico, assistente social) e denunciar o caso ao Disque 100 ou ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público da sua cidade ou a delegacia. Lembrando que a investigação e/ou confirmação do abuso é responsabilidade dos órgãos e profissionais competentes. Dessa forma a denúncia ou notificação deve ser feita também em caso de suspeita do crime.

Uma mudança de postura diante do abuso e da maneira como tratamos os abusadores socialmente também é urgente ao combate desse tipo de violência. 
Nos falta uma educação sexual infantil adequada que ajude a criança a identificar, a reconhecer e a expressar seus sentimentos e o que lhes acontece no dia a dia.  Assim como uma difusão de informações aos adultos responsáveis que os auxiliem no trato dessa questão.

O guia de referência da Childhood de 2009 orienta que as crianças entre 18 meses e três anos, sejam ensinadas acerca dos nome das partes do corpo; entre três e cinco anos, sejam orientadas sobre as partes íntimas; após os cinco anos, saibam bem sobre sua segurança pessoal e sobre as principais situações de risco; e depois dos oito anos, seja iniciada a discussão sobre os conceitos e as regras de conduta sexual que são aceitas pela família e orientadas com informações básicas sobre reprodução humana.

Outro aspecto importante a ser levantado diante da repercussão do episódio na novela é que nesse caso apresentado pelo enredo, a mãe não é conivente ou culpada pelo o que aconteceu com a filha, abusadores não possuem características específicas que os identifiquem, são pessoas comuns que não levantam suspeitas. E não podemos culpabilizar a mulher por refazer a sua vida amorosa, assim como colocá-la em uma condição de solidão por terem filhos.

Identificar a ocorrência de um abuso também não é uma tarefa fácil. De acordo com o guia de identificação e enfrentamento do Ministério Público, 2015, somente em 30% dos casos há evidências físicas e são poucas as vezes que existem um relato da vítima. O que pode-se fazer é observar a criança para perceber mudanças físicas e comportamentais que apontem um possível caso de abuso. Ainda sim, podem haver casos sem manifestações de sintomas por parte da vítima.

Alguns sintomas comuns apresentados são:

-         - Exploração sexual excessiva.
-          - Conhecimento e curiosidade sexual fora do esperado.
-          - DST (doenças sexualmente transmissíveis).
-          - Gravidez.
-          - Lesões, hematomas e irritações no corpo, principalmente na região genital e garganta.
-          - Ansiedade e medo diversos e excessivos.
-          - Mudança brusca e inexplicável de comportamento.
-          I- solamento, depressão ou agressividade.
-          - Baixo rendimento no aprendizado ou frequência escolar.
-          - Regressão a comportamentos infantis (voltar a fazer xixi e cocô na calça, chupar dedo...).
-          - Distúrbios alimentares e no sono.
-          - Doenças de fundo emocional.
-          - Uso de álcool, drogas e prática de delitos. 

É muito importante também compreender que a pedofilia é um quadro de doença mental prevista como transtorno sexual sofrido por alguém que sente o desejo sexual por crianças e pré adolescentes. Porém, nem todo pedófilo chegará a abusar sexualmente de alguma criança, o crime só existe se acontece o ato de abusar.  Sabemos que a maioria dos abusadores não possuem nenhuma patologia, ou seja não são pedófilos,  são pessoas que se aproveitam da cultura que facilita a violência contra as crianças e os adolescentes. Sendo assim, acusar o abusador de pedofilia é tirar a responsabilidade pelo ato de violência e amenizar a situação.

Mas afinal o que é considerado abuso sexual, não é mesmo? Bom, abuso sexual é a exploração do corpo e da sexualidade da criança ou adolescente, feita por um adulto para obter a própria satisfação sexual, podendo existir contato físico ou não.  A exposição da criança a conteúdo pornográfico, ao ato sexual, a situações obscenas; o encorajamento e/ou estímulo para a prática de atividades sexuais com adultos ou com outras crianças; o assédio, propostas, conversas e telefonemas licenciosos afim de estimular a sexualidade ou chocar a criança; a exposição dos órgãos genitais, se masturbar no campo de visão da criança ou ainda observá-la em momentos íntimos afim de obter prazer; produzir e expor imagens e vídeos erotizados da criança; seduzir, acariciar as partes íntimas dela ou praticar sexo oral, anal ou vaginal tudo isso se caracteriza como abuso e não deve ser ignorado.

Na novela, a personagem esquece que foi abusada e só se lembra depois de adulta, quando decide procurar ajuda para resolver dificuldades sexuais que desenvolveu. Esse também é um fato possível, apesar de não corriqueiro. Dificilmente as vítimas esquecem que foram abusadas e quanto mais frequentes os abusos, maiores os impactos emocionais, físicos, morais e sexuais na vida da vítima.

Todavia, algumas pessoas não se lembram que foram abusadas na infância, mas isso não quer dizer que por isso passaram ilesas pela violência.  Mesmo sem se lembrar do abuso as vítimas sofrem efeitos nocivos da situação abusiva, como: dificuldades de manter relações afetivas, sexuais e amorosas saudáveis, o envolvimento em prostituição, o uso de álcool ou drogas, dificuldade de inserção na vida social, sentimento de inferioridade,  culpa, entre outros.
Recordar-se de uma situação abusiva vivenciada pode acontecer em diversas ocasiões, mas é importante reforçar que o acompanhamento psicológico da vítima deve ser feito por um profissional capacitado para isso.  A recuperação diante dos efeitos gerados pelo trauma depende da capacidade da vítima de resignificar situações, de se reorganizar e de se fortalecer. Sabemos que não é tão fácil, mas é possível.


Catarina Maruaia. - arte terapeuta, educadora e mentora do projeto Se Toque- arte e sexualidade




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