Se tem uma coisa que eu acredito que nasce com a mãe é a culpa. Basta o primeiro piscar de olhos do bebezinho neste mundo que esta incômoda sensação invade nossos corações sem piedade. Lembro-me bem, na minha primeira gestação, de Lívia. Eu, mãe de primeira viagem, diante de tantas notícias ruins na TV ficava com aquela sensação de “meu Deus, será que eu deveria gerar um serzinho tão lindo, tão fofinho para esse mundo cheio de perigos, trapaças, violência? Como acompanharia essa vidinha em todas as fases e a encaminharia para se proteger desses perigos?”.
Certamente, o trabalho duro e prazeroso de ser mãe não me permitiu “viajar” mais tanto neste assunto com o passar dos dias do bebê já nascido
Na minha segunda gravidez, que foi de Sofia, filha que perdi aos 23 dias de nascida, estava lá também a culpa. Não havia nenhum diagnóstico, minha filha não tinha nenhuma deformidade congênita, nem enfermidade. Os dois primeiros dias nós passamos juntas na maternidade, no quarto, normalmente, amamentando felizes e nos reconhecendo. Aí veio a culpa de estar longe da minha filha mais velha, que dor eu sentia (nem sabia ainda pelo que passaria com Sofia). Sentia tanta falta dela que cheguei a chorar tão alto que a enfermeira me chamou a atenção, pois disse que “pareceria depressão pós parto” e eu não voltaria para casa. Quando Sofia foi para a UTI, eu quase de alta, veio novamente a culpa... E de forma irracional. Ela teria sentido por eu estar com saudades da mais velha? Ela achava que eu não a amava suficiente? E a pior de todas: Eu haveria feito algo errado durante a gestação que pudesse tê-la levado à UTI? Indubitavelmente as respostas para todas essas perguntas eram Não. Mas elas orbitavam pela minha cabeça e, claro, eram muito mais pesadas que a primeira experiência com a “culpa materna”.
Bom, ao longo de muita história, Sofia já falecida, a culpa e a dor sempre ali, “cutucando” a minha tentativa de seguir em frente, por motivos que seriam extensos de contar aqui, em 2013 lá estava eu de novo em um hospital, cuidando de meu pai em coma. Foram seis meses e neste período eu engravidei de novo de meu menino lindo, Davi, hoje com dois aninhos. Nesta gravidez posso dizer que a culpa não me acometeu completamente no seu decorrer. Eu estava vivendo um caos tão grande que a gravidez foi aos trancos e barrancos, mas saudável, porém. No final das contas, meu pai acabou falecendo, vivenciei seu enterro grávida e todo aquele processo de luto que eu já conhecia, mas desta vez grávida. Claro que a culpa apareceu. Apareceu porque eu estava exaurida, apareceu porque eu achei que a gravidez naquele momento foi pesada demais. Mas não havia planejado, nem evitado. Ela simplesmente aconteceu. Hoje vejo como uma luz naquele mundo de trevas que eu estava vivendo. Davi veio forte, mamava bastante, era um bebezão, bochechudo e já com traços bem característicos de homenzinho. Lindo, brilhante, amoroso. Vivi a incoerência da dor e alegria ao mesmo tempo.
Finalmente, 1 ano e meio depois, engravidei (planejadamente) do meu terceiro filho. Aí a dona culpa, velha conhecida, já estava lá de prontidão em meus pensamentos: “Diga a verdade você desejava uma menina!”, (não era verdade, quem perdeu uma vez, sabe que isso não é verdade). Outra coisa que me levava de encontro a este sentimento tão discutido aqui era: Meu filho do meio era um bebê ainda... Quanto colo não pude dar, quão perdido ele ficou com a chegada de um bebê em casa (por mais que tentássemos prepará-lo) e como ele era (e ainda é) nosso xodozinho, como era difícil dividir a atenção. Fora a minha mais velha, que até que deu para controlar o ciúmes, mas também deu sinais de que estava um pouco perdida. Já havia passado pela perda da irmã, cuja preparação havia sido feita com muito amor e carinho para recebê-la. Chegou a visitá-la no hospital e sentir a sensação de ter uma irmãzinha. Cheguei a ver o brilho em seus olhinhos.
Hoje, passados alguns meses eu (tardiamente) já percebi que esse sentimento vai me acompanhar sempre, pode ser radical, mas pra mim, ser mãe é ter culpa. Pois nos sentimos tão donas daqueles amores que nos sentimos responsáveis por tudo sobre nossos rebentos e até mesmo aquelas coisas que não podemos controlar. Só mesmo vivenciando isso, enfrentando estes pensamentos que ora vêm nos visitar e colocar na cabeça (como é duro) que os filhos são do mundo mesmo, esse mundão louco que vivemos. Temos nossas responsabilidades, nossos deveres, mas existe um limite próprio do “ser” humano e dali não podemos passar. Então, que vivenciemos esta experiência magnífica com coragem, fé, força e pé no chão.
Aline Amorim
Snapchat: alineamorimrcm
Realmente admirável. Te aplaudo de pé minha amiga. Eu fico feliz que o tempo passou e as coisas melhoraram. Continue escrevendo. Tenho certeza que suas experiências irão ajudar muita gente. Beijos!
ResponderExcluirKhrys